Por mais que comemore o sucesso econômico nos anos recentes, o Brasil tem alguns elos que o atam de forma irremediável ao subdesenvolvimento e um dos mais lamentáveis e evidentes está no saneamento básico. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou recentemente estudo mostrando que mais da metade dos domicílios brasileiros (51,5%) não dispõe de rede de coleta e tratamento de esgoto. Quem mora nessas casas se sujeita às condições de vida degradantes e se expõe a doenças que em outros países, alguns de nível econômico igual ou inferior ao Brasil, não são mais constatadas na vida real, mas apenas relatadas nos compêndios médicos. Daí, a persistente sobrevivência do Aedes aegypti (mosquito transmissor da dengue), apesar do combate que as autoridades sanitárias garantem lhe mover.
De fato, saneamento básico nunca foi prioritário para os governos brasileiros, pois, como se sabe, esgotos são obras subterrâneas e não dão votos. Mas o estudo da FGV é explícito ao constatar que o acesso a esse serviço essencial para a vida e a saúde da população avançou de forma muito pífia nos últimos 14 anos, atravessando quatro diferentes gestões federais ao ritmo devagar, devagarinho, quase parando, de 1,59% ao ano. Os especialistas calculam que, mantido esse passo, para reduzir à metade o trágico déficit de saneamento básico, num país que vive se jactando de pretender liderar a América Latina e até os emergentes do mundo, seriam necessários mais 56 anos e meio. Ou seja, o Brasil chegaria ao ano de 2068 ainda com um quarto (25%) dos lares sem coleta e tratamento de esgoto. “Esse é um problema sistêmico, de política pública. Enquanto o País avança no combate à pobreza a uma velocidade quatro vezes maior do que a determinada pelas Metas do Milênio, não chega à metade do que deveria na questão do saneamento”, comentou o economista Marcelo Neri, da FGV, que utilizou microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, para fazer a projeção.
O problema é que, para combater a pobreza com cestas básicas, o governo gasta relativamente pouco e tem um retorno rápido e certo em capital de votos. O pobre que não tinha o que comer e passou a receber a Bolsa-Família vota com a barriga, mas não tem consciência de que o Estado cumpriria melhor seu papel se dotasse as cidades e o campo de redes de esgotos para lhe propiciar uma vida mais saudável. Com as empresas públicas de saneamento com sua capacidade de endividamento esgotada e sem representar atrativo para as Parcerias Público-Privadas (PPPs), o saneamento só teria a saída da privatização do setor, mas nem o governo nem os especialistas parecem convencidos disso. Por enquanto, na área do saneamento, o governo Lula, que faz do social seu cavalo de batalha, limita-se à promessa de um “projeto de fôlego”, de que fala Élvio Gaspar, diretor da Área de Inclusão Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Editorial do Jornal da Tarde de 22/10/07
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