segunda-feira, 22 de outubro de 2007

JUROS: A farra do boi II - Título público rende o dobro a estrangeiro

Com queda do dólar e isenção de IR, aplicação de investidor externo dá ganho de 89% desde fevereiro de 2006, ante 42% de brasileiros

Em 2006, investimentos estrangeiros em títulos públicos somaram US$ 11 bi; neste ano, até agosto, fluxo era de US$ 14 bi

Com a queda do dólar e a isenção de Imposto de Renda dada pelo governo, as aplicações em títulos públicos feitas por investidores estrangeiros já chegam a acumular rentabilidade líquida próxima de 90% de fevereiro de 2006 para cá, ultrapassando o já alto retorno oferecido aos aplicadores brasileiros. Para efeito de comparação, desse mês até setembro passado, a inflação medida pelo IPCA ficou em 5,6%.
Os maiores ganhos foram alcançados por papéis de longo prazo corrigidos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), os mais procurados pelos estrangeiros. Os títulos atrelados ao índice oficial de inflação com vencimento em 2045 já renderam, em dólar, 89% desde fevereiro do ano passado -mês em que começou a valer a isenção de IR para investidores internacionais-, considerando o fechamento da última quinta-feira. O investidor nacional que fez a mesma aplicação ganhou 42% em reais, já descontado o IR, cuja alíquota nesses casos varia de 15% a 22,5%, dependendo do prazo do investimento.
A alta lucratividade das operações dos estrangeiros se explica, em boa parte, pela queda do dólar. Em fevereiro de 2006, quando a moeda dos EUA era cotada a R$ 2,22 (hoje, vale R$ 1,80), um título público corrigido pelo IPCA com vencimento em 2045 era negociado a R$ 1.106,08 -o equivalente, à época, a US$ 487,49. A esse preço, o investidor que pusesse dinheiro no papel receberia, até seu vencimento, juros de 8,93% ao ano mais a variação da inflação.
De lá para cá, o grande interesse do mercado nessa aplicação -que garantia uma rentabilidade elevada num momento em que o Banco Central reduzia os juros- provocou uma valorização nos papéis.
Na última quinta-feira, o mesmo título era negociado a R$ 1.661,38. Com a valorização do real, porém, a cotação em dólar do papel já havia subido para US$ 919,36 -equivalente a juros de 6,23% ao ano. Ou seja, o capital investido pelo estrangeiro dobrou em menos de dois anos.
Nos títulos prefixados, os ganhos dos estrangeiros nesse mesmo período também foram altos. Os papéis com vencimento em 2008 se valorizaram em 64% em dólar, contra um rendimento líquido, em reais, de 26% conseguido pelos investidores nacionais.
No ano passado, os investimentos estrangeiros em títulos públicos negociados no Brasil somaram US$ 11 bilhões. Neste ano, até agosto, o fluxo já estava em US$ 14 bilhões (alta de 27,3% sobre todo o ano passado). Em fevereiro de 2006, estava em US$ 2,2 bilhões.
Carlos Cintra, gerente de renda fixa do banco Prosper, diz que é difícil afirmar se esses investimentos continuarão chegando ao Brasil daqui para a frente, mas ressalta que as aplicações em títulos emitidos pelo governo continuam "atrativas". "Quando comparadas aos juros norte-americanos, por exemplo, as taxas aqui ainda são muito altas", diz. A taxa Selic está hoje em 11,25% ao ano, e a taxa básica dos EUA, em 4,75%.

Novo cenário
Os elevados ganhos ocorridos nos últimos anos, porém, não vão necessariamente se prolongar por muito tempo. Isso porque a alta rentabilidade alcançada desde 2006 reflete, em boa parte, a expectativa do mercado, na época, de que o BC fosse continuar reduzindo os juros por um bom tempo. Isso fez muitos aplicadores buscarem títulos públicos que oferecessem alto retorno, o que explica a valorização dos papéis.
Agora, o cenário é um pouco diferente. Cintra ressalta que a alta da inflação observada nos últimos meses e o aumento nas projeções para o IPCA de 2008 colocam em risco o processo de queda dos juros. Ao analisar essa situação, na última quarta-feira o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) interrompeu uma série de mais de dois anos de redução da taxa Selic, e a dúvida agora é quanto tempo vai se passar até que esse processo seja retomado.

Texto de NEY HAYASHI DA CRUZ na Folha de São Paulo de 22/10/07

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