UMA GRAVE ameaça pesa sobre a produção dos biocombustíveis. Movimentos sociais com objetivos ideológicos, ambientalistas honestos, mas desinformados, analistas bem-informados, mas com viés malthusiano, chefes de governo prisioneiros de sua situação e até a ONU insistem na falsa idéia de que eles vão reduzir a oferta de alimentos. No caso brasileiro, a ameaça é claramente falsa. A área total do Brasil é de 851 milhões de hectares, dos quais 463 milhões (54%) são ocupados por áreas preservadas (inclusive a floresta amazônica); 220 milhões (26%) são ocupados por pastagens; 72 milhões (9%) são áreas cultivadas (6 milhões de hectares pela cana) e 96 milhões (11%) são potencialmente cultiváveis.
É preciso enxergar um fato importante: a agricultura é o único setor da economia onde milhões de produtores, individualistas e desorganizados, enfrentam uma estrutura oligopolista de compra, o que significa que transferem potencialmente para os consumidores todos os seus ganhos de produtividade.
Isso explica a secular redução dos preços agrícolas com relação aos preços industriais. Apenas potencialmente porque, por outro lado, a estrutura oligopolista enfrenta milhões de consumidores, o que lhe dá um enorme poder na formação dos preços.
Os ganhos de produtividade do setor agrícola são o resultado do desenvolvimento da seleção genética, dos transgênicos, das técnicas de cultivo e da eficiência dos fertilizantes, e não há menor sinal de que tais avanços vão arrefecer. Pelo contrário, em alguns setores, como o do etanol e do biodiesel, os avanços genéticos que aumentam a produtividade por área e os avanços dos processos químicos e biológicos para o aproveitamento de toda a biomassa na extração de combustível estão à vista.
É claro que o aparecimento de um novo "produto" tende a alterar todos os preços relativos. Isso aconteceu, por exemplo, quando o ex-presidente do Banco do Brasil Nestor Jost, em 1968, convenceu o governo de que o feijão-soja tinha futuro. É ridículo imaginar que, num mercado livre, a alteração dos preços relativos possa ser a causa da inflação (que exige preços crescendo).
Os ganhos de produtividade por área na agricultura e na pecuária vão liberar terra sobre a qual avançarão as novas culturas. Concretamente: o Brasil usa hoje 1/3 da terra que usava há 30 anos para produzir a mesma quantidade de álcool. Daqui a 30 anos, usará, provavelmente, menos de 1/9...
O único risco real que corre o projeto de Lula é a ameaça do seu próprio governo, se não se entender que há um claro conflito de interesse entre a Petrobras e os biocombustíveis.
Texti de Antonio Delfim Netto na Folha de São Paulo de 03/10/07
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